Através da análise anterior, fica demonstrado que certos eventos
relatados na história de Abraão são difíceis de captar. O relato da
história do patriarca Abraão não se prende a explicar certos porquês,
antes se fixa somente nos fatos.
Como é possível a bíblia apontar Abraão como sendo um exemplo de fé,
sendo que em determinado momento da sua vida ele riu da promessa, e
apresentou uma alternativa diante de Deus? Não era para ele ter perdido a
bênção neste evento?
Por que Abraão tentou ‘ajudar’ Deus cumprir a promessa através de
Ismael? Uma leitura superficial da história de Abraão faz com que o
leitor não perceba este detalhes de suma importância ao contexto geral
das escrituras.
Outro ponto a se destacar é concernente a aliança proposta pelo rei
de Sodoma. Abraão foi tentado a ajudar Deus com riquezas provenientes do
fruto de suas conquistas pessoais, porém, rejeitou-a, pois entendeu que
a sua prosperidade deveria ser fruto da promessa divina.
Isto é maravilhoso, porém, onde Abraão aprendeu esta lição? Se
levarmos em conta o fato de Abraão ter sido expulso do Egito por causa
de uma praga que sobreveio ao Faraó, veremos que neste evento ele
aprendeu que rei algum seria o pivô da riqueza pertinente a sua
descendência.
Se Abraão não aprendesse a lição no Egito, certamente sucumbiria
diante da aliança e oferta do rei de Sodoma. Observe que o perigo
rondava Abraão de perto. Se Abraão fizesse uma aliança com Sodoma,
certamente diriam que:
- Sodoma foi responsável pela prosperidade de Abraão, ou;
- Abraão poderia reputar que as suas riquezas era fruto de suas conquistas pessoais.
Surge outra pergunta: havia algum risco para Abraão acerca do
nascimento de Isaque, caso Deus não tivesse posto Abraão a prova. Como?
Isto mesmo! Analisemos se havia algum risco para Abraão, caso ele não
fosse submetido à provação.
Observe como é fácil o homem confundir-se:
É notório para nós que Isaque foi quem nasceu segundo a promessa de
Deus, porém, Abraão fez menção de Ismael perante Deus, pois estava
esperançoso que o filho da escrava fosse o seu herdeiro;
Embora Isaque tenha nascido segundo a promessa, Abraão ainda podia e
continuou a gerar filhos, mesmo após os cem anos ( Gn 25:1 -2).
Neste ponto em específico (b) havia um grande perigo rondando o
patriarca. Havia um risco para Abraão decorrente do fato de ele gerar
filhos segundo a sua carne, mesmo em avançada idade. Havia o risco de
Abraão se gloria da sua carne, pois mesmo em avançada idade ainda gerava
filhos.
Hoje seria tema de discussão cientifica se Isaque era mesmo filho
segundo a promessa, ou se Sara nunca foi estéril de fato. O cuidado que
Abraão teve com relação ao rei de Sodoma, para que ninguém dissesse no
futuro: “O rei de Sodoma foi quem enriqueceu a Abraão”, seria sem valia,
visto que questionariam se Isaque foi realmente fruto da providência
divina.
Quando nasceu Isaque, Abraão reputava com base na fé, que a promessa
estava sendo cumprida. Mas, após Sara morrer e Abraão casar-se com
Quetura, obtendo outros filhos, havia o risco de Abraão ser dissuadido
da fé, e voltar a rir da promessa, visto que ele ainda podia gerar
filhos, mesmo após considerar impossível obtê-los por causa da idade
avançada ( Gn 17:17 ).
Quando Deus mandou Abraão imolar Isaque, Isaque era o seu ‘único’
filho, e não era cogitado Abraão ter mais filhos ( Gn 17:17 ). O evento
demonstra que Deus não estava ‘testando’ e nem ‘mensurando’ a fé de
Abrão. Deus não estava pondo à fé de Abraão a prova, uma vez que ele já
havia sido justificado por Deus.
Deus não estava em dúvidas quanto à fé de Abraão quando o submeteu a prova!
O que Deus pretendia com a ‘provação’?
Com a provação Deus estava cuidando de Abraão! Como?
Pedro nos diz: “Essas provações são
para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que
perece, embora provado pelo fogo, redunde para louvor, glória e honra na
revelação de Jesus Cristo” ( 1Pe 1:7 e 1Pe 4:12 -14).
Ora, as provações não são instrumentos de medida para se mensurar a
fé daqueles que professam a Cristo, antes tem o fito de ‘redundar’ em
louvor, glória e honra na revelação de Cristo "Bem-aventurado
o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a
coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam" ( Tg 1:12 ).
Ou seja, a provação é conforme o propósito e segundo o conselho da vontade de Deus, ‘afim de sermos para louvor da sua glória’ ( Ef 1:11 -12). Abraão foi chamado por Deus para louvor de sua glória!
Como Abraão riu-se da promessa quando vislumbrou as impossibilidades (
Gn 17:17 ), ele poderia novamente rir-se da providência divina após
gerar filhos de Quetura ( Gn 25:1 -52).
As seguintes questões poderiam sobressaltar Abraão: Será que Sara era
estéril mesmo? Ismael, Isaque, Zinrá, Jocsã, Medã, Midiã, Jisbaque e
Sua não foram filhos da minha carne? Será que a falta do “costume das
mulheres” em Sara era mesmo uma impossibilidade de ter filhos? A idade
de Sara era um real impedimento para ela conceber? Visto que pude ter
filhos com mais de cem anos com Quetura, o filho de Sara não poderia ser
produto da minha ‘virilidade’?
Todas estas questões não poderiam levar Abraão a gloriar-se da sua carne?
Ao ser exigido o sacrifício de Isaque, Abraão teve que recobrar o seu filho dentre os mortos, confiado no poder de Deus “Abraão julgou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar, e daí também em figura o recobrou” ( Hb 11:19 ).
Ou seja, quando Abraão se predispôs obedecer à ordem divina para
oferecem em holocausto o seu filho, ele deixou de ter um filho segundo a
sua carne (embora o filho segundo a promessa de Deus fosse proveniente
das ‘entranhas’ de Abraão e Sara), para receber o seu filho dentre os
mortos.
Daquele momento em diante, Abraão estava desprovido
de qualquer elemento que o levasse a considerar posteriormente que
Isaque era fruto de sua carne, ou que a sua própria carne havia lhe
concedido Isaque. Após o evento da oferta de Isaque, Abraão, segundo a
providencia divina, teve a confirmação de que nada alcançou segundo a
carne "Que diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?" ( Rm 4: 1).
Ao recobrar o seu filho dentre os mortos, o que Deus proporcionou a
Abraão além do seu filho Isaque? Uma âncora que penetrou até o interior
do que estava oculto. Ele foi ensinado a lançar mão da esperança
proposta, e não do que era aparente e que desvanece ( Hb 6:18 -19).
Isaque não era a segurança de Abraão, antes a segurança estava na
esperança proposta. A consolação esta em Deus que não mente e é
imutável, o que faz o homem peregrinar em busca da pátria celestial! (
Hb 6:14 -18).
Para alcançar Isaque, Abraão teve que recobrá-lo dentre os mortos,
agindo de modo a dar cabo da própria promessa. Naquele momento em que
Abraão ofereceu o seu único filho, a palavra de Deus foi posta acima de
evidências físicas da promessa.
Abraão descansou na providência divina, pois o descendente sobre quem a promessa repousaria ainda estava por vir!
Abraão alcançou esta graça em Deus, porém, o povo de Israel, os seus
descendentes não compreenderam e nem fizeram como o crente Abraão.
Apesar do exemplo concedido por Abraão, o povo não foi aprovado na prova
do maná concedido no deserto. As pessoas estavam confiadas no maná que
aparecia no deserto, porém, não confiavam na palavra de Deus, que deu
origem ao maná. Não consideravam que ‘nem só de pão viverá o homem’ ( Dt 8:3 ).
A prova da fé do homem não é porque Deus quer saber ou mensurar algo a
respeito do homem. Antes, a prova da fé tem em vista a preservação da
confiança do homem, o que redunda em louvor, glória e honra a Deus ( 1Pe
1:7 ).
Outra questão
Com relação ao versículo que diz: “Agora sei que temes a Deus, pois não me negaste o teu filho, o teu único filho”
( Gn 22:12 ), temos uma caso típico de antropomorfismo, ou melhor, é um
dos ‘modos’ de Deus se manifestar ou comunicar-se utilizando a forma, o
modo, a características ou a linguagem humana.
O homem geralmente compara o desconhecido ou compreende algo
desconhecido através de elementos e fatos conhecido. Por exemplo, ao
descrever algum animal desconhecido, o homem utiliza-se do que conhece
para descrevê-lo: tinha pés como o de homem; cabeça como a de cavalo,
rabo como o de peru, etc ( Ez 1:10 ).
Do mesmo modo, ao fazer referência a Deus, diz-se que Deus descansou,
uma vez que o homem descansa. Porém, surgem as questões: sendo Deus
onisciente, onipresente e onipotente Ele pensa? Faz considerações? Chega
a conclusões? Precisa descansar segundo a concepção humana? ( Is 40:8
-31).
Por certo que os ‘caminhos de Deus’ são muito elevados, e os seus ‘pensamentos’ inatingíveis! "Mas não sabem os pensamentos do SENHOR, nem entendem o seu conselho; porque as ajuntou como gavelas numa eira" ( Mq 4:12 ). Como expressar o que nunca se viu ou ouviu? O que nunca subiu ao pensamento do homem? "Mas,
como está escrito: As coisas que os olhos não viram, e os ouvidos não
ouviram, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou
para os que o amam" ( 1Co 2:9 ).
Além das questões antropomorfista, é preciso considerar que a
linguagem humana é dinâmica e transforma-se constantemente. Como
alcançar o pensamento original de uma única palavra ou de uma frase
escrita a milhares de anos? Por mais que muitos escribas procuraram ser
fiéis à transcrição de textos, impressões pessoais podem afetar a idéia
do texto.
É por isso que o estudo da bíblia deve ser sistemático, seguindo
regras e princípios pertinentes a hermenêutica e a exegese. Não é o que
um texto expressa que fará surgir ou que extirpará uma doutrina bíblica,
antes o contexto geral das escrituras é observado para fazermos um
juízo de valores e idéias.
Hoje já é difícil para um interprete ou tradutor secular transmitir a
idéia contida em uma expressão idiomática, porém, esta é uma limitação
humana.
A bíblia diz que Deus descansou no sétimo dia, porém, através da
carta aos Hebreus fica demonstrado que a idéia de descanso que a bíblia
imprime não tem relação com a necessidade de repouso. Através da palavra
‘descansar’ a bíblia quer evidenciar que não mais havia obras a serem
realizadas.
Após o dia sexto nenhuma outra obra concernente a criação do universo
foi realizada, pois tudo foi criado e estabelecido com perfeição.
‘Descansar’ no Gênesis significa não ter obrar a realizar, diferente
da idéia que muitos querem dar: repouso por causa de cansaço "Porque aquele que entrou no seu repouso, ele próprio repousou de suas obras, como Deus das suas"
( Hb 4:10 ). Ora, quando a bíblia diz que Cristo entrou no seu repouso,
ela quer dar a entender que a obra de Cristo é perfeita como a do Pai.
Com relação ao registro: ‘agora sei que temes a Deus’, verifica-se
que o temor (confiança) de Abraão foi levado em conta quanto da
justificação por Deus ( Gn 15:6 ), ou seja, ao provar Abraão, Deus não
tinha como objetivo mensurar a fé do patriarca.
Se considerarmos um dos recursos lingüístico próprio à retórica, percebe-se que o texto tem por objetivo transmitir (noticiar) a Abraão que ele foi provado e aprovado para louvor e glória de Deus, segundo a fé. Este verso não enfatiza falta de conhecimento em Deus, antes, a ênfase da frase está em tornar Abraão ciente de que estava aprovado.
Se considerarmos um dos recursos lingüístico próprio à retórica, percebe-se que o texto tem por objetivo transmitir (noticiar) a Abraão que ele foi provado e aprovado para louvor e glória de Deus, segundo a fé. Este verso não enfatiza falta de conhecimento em Deus, antes, a ênfase da frase está em tornar Abraão ciente de que estava aprovado.
Quando o Anjo do Senhor disse: ‘agora sei que temes a Deus’, o
objetivo era louvar o homem que foi provado e aprovado com base na fé "Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, mas, sim, aquele a quem o Senhor louva" ( 2Co 10:18 ).
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